terça-feira, 17 de maio de 2011

Edição nº 60



Crónica
A adesão aos princípios que assumem a necessidade e responsabilidade de contribuir para uma resposta colectiva às necessidades das pessoas é uma prática que, em teoria, poucos admitem não acolher ou respeitar. Mas, da teoria à prática “vai um tiro de canhão”.

A forma como o tema “Estado social” é tratado no nosso país, traz consigo uma carga avassaladora de cinismo. Uns juram pela sua mãezinha que é a sua profissão de fé, enquanto, na prática, o vão destruindo. Outros não são contra, mas quanto menos melhor. É a velha máxima da diferença entre “dar na cabeça” ou “na cabeça dar”. Em boa verdade, o conceito de Estado social, ou providência, é a negação da forma organizativa duma sociedade liberal. Defender o Estado social com políticas liberais é “querer estar bem com Deus e com o Diabo”.

O Estado social assenta em princípios que dão uma resposta colectiva às necessidades de cada uma das pessoas. O sistema liberal professa o individualismo em detrimento da solidariedade. O Estado social tem todo o seu enfoque nas pessoas, no seu direito à saúde, à educação, ao trabalho. O sistema liberal alimenta--se do economicismo, na acumulação do capital, na diferença pelo poder do dinheiro.

O conceito europeu de olhar para os que nada têm como uma obrigação do Estado e não apenas como uma mão caridosa estendida pelas organizações bem-intencionadas da sociedade civil pressupõe um aparelho de Estado bem organizado e uma economia saudável. Nos tempos que correm, nenhuma destas premissas é válida, não só em Portugal, mas na generalidade dos países europeus.

Surge então a necessidade de mudança. E, novamente, todos falam do mesmo, mas sem explicar bem o que querem mudar. Aplica-se, então a célebre frase: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.

Porém, o que permanece igual é o caminho trilhado no sentido da progressiva destruição do Estado social, e o que muda é o aumento das restrições e dos cortes orçamentais na saúde, no ensino e na protecção social.

Todo um princípio económico básico, essencial à existência do Estado social está pervertido. O sistema financeiro deverá ser um meio de apoio ao bom funcionamento da economia, para que esta possa estar ao serviço do bem-estar das pessoas. O sistema liberal “espreme” as pessoas para que a economia esteja ao serviço da especulação financeira.

Os teóricos liberais defendem a todo o custo o crescimento económico (leia- -se: concentração do poder económico). Baseiam-se nas privatizações e não hesitam em recorrer à entrega, a um par de mãos, aquilo que é de todas as pessoas, sem qualquer excepção, incluindo a privatização da saúde, do ensino, e de bens essenciais como a água, para que quem tenha poder financeiro possa pagar e, assim, com as migalhas restantes, providenciar cuidados de saúde mínimos e o ensino indispensável aos pobrezinhos (“vamos brincar à caridadezinha”). Defendem que saúde e ensino para todos é uma utopia. “O Estado não tem receitas que possam suportar essas despesas!”. Esquecem que melhor para alguns e pior para outros é discriminação e que a opulência, desses alguns, é a carência destes outros.

É uma falsa questão a falta de recursos do Estado para garantir a diminuição das disparidades sociais causadas pela sociedade capitalista. É, sim, uma questão de prioridades e de diversificação das receitas. O Estado não pode ser alimentado exclusivamente pela contribuição dos rendimentos de trabalho. Será aceitável a existência de fortunas acumuladas através de mais-valias imobiliárias e transacções bolsistas que não são tocadas pelo fisco? Tudo - o presente e o futuro do Estado social - é uma opção política.

Com uma forte tributação sobre os dividendos não reinvestidos, distribuídos aos accionistas do sistema financeiro, e não “esquecendo” os paraísos fiscais, para onde “voam” milhões de euros, podem arrecadar- -se recursos que, aliados à erradicação dos gastos despropositados e sem controlo, dotam o Estado dos recursos necessários.

É criminoso para o Estado social que, a par da subordinação ao sistema financeiro, se gaste tantos milhões com a compra de dois submarinos, considerados “um luxo supérfluo” pelos “patrões” da NATO.
Há uma grande ameaça sobre o Estado social, que é incentivada pelos privados. Inculca-se na Opinião Pública a ideia de que os serviços privados de Saúde são mais eficientes e, em simultâneo, desinveste-se no sector público. Caminhamos para o sistema que desvaloriza os cuidados de Saúde básicos aos cidadãos com menos recursos, sistema que outros países começam, finalmente, a dar a ideia de querer abandonar. Queremos retomar o que outros abandonam?

Estamos a um passo de já não se poder considerar o que existe como Estado social, e, por isso, é urgente que se mudem as prioridades, porque o fim do Estado social europeu, como quer a actual chanceler alemã, Angela Merkel, seria o colapso da União Europeia.


Mário Moniz


Colaboradores:

Capa: Eugénia Rufino
Arquitectura e Artes Plásticas: Paulo Gabriel
Cinema e Teatro: Tiago Vouga e Victor Rui Dores
Literatura: Eduíno de Jesus
Ciência: PNF e Sílvia Lino
Gatafunhos: Tomás Melo


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